sexta-feira, 22 de junho de 2012

Anjos da Morte [3/4]


Fiquei parada em pé próxima à porta de entrada com o coração batendo forte, es­cutando o silêncio que emanava da casa que meu pai manteve organizada e limpa. O fato de eu não ter me sentido nem um pouco cansada me deixou preocupada. Meu pulso estava acelerado por causa do medo, e não por causa da corrida.
— Pai?
— Miley? Você está viva? — ele disse. — Eles falaram que você havia morri­do. Você está viva?
— Eu estou bem — choraminguei contra o peito de­le. — Perdão, pai — falei, ainda chorando. — Eu não devia ter saído com aquele cara. Eu nunca devia ter fei­to isso. Me desculpa. Perdão!
— Psiu. — Ele me puxou de volta em um abraço. — Tudo bem. Você está bem — ele disse, acariciando o meu cabelo. No entanto, ele não sabia que, na realida­de, eu estava morta.
Um barulho suave veio da porta. Meu pai desviou o olhar por cima do meu ombro, e eu virei o rosto. Nicholas estava em pé de forma estranha ao lado de um homem baixo que vestia uma roupa larga, como um uniforme de luta marcial. Os seus cabelos indicavam que ele era idoso, os cachos apertados eram grisalhos perto das têmporas.
— Olá —meu pai disse, me colocando ao seu lado —, vocês trouxeram a minha filha para casa? Obrigado.
Nicholas havia trazido o chefe. Eu queria ficar. "Droga, eu não quero estar morta. Não é justo!"
O homem fez uma expressão de tristeza.
— Não — ele disse —, ela conseguiu chegar aqui sozinha. Só Deus sabe como.
— Eles não me trouxeram aqui — falei, sentindo-me nervosa. — Eu não os conheço. Eu já vi aquele cara — adicionei —, mas não o mais velho.
Mesmo assim, o meu pai deu um sorriso neutro, ten­tando organizar as ideias.
— Vocês são do hospital? — ele perguntou. Seu ros­to ficou sério. — Quem é o responsável pela notícia de que minha filha estava morta? Alguém vai perder a ca­beça aqui.
— Palavras mais verdadeiras que essas nunca foram ditas, senhor. – o homem idoso dise — Precisamos conversar filha.
Meu Deus. Ele queria que eu fosse com ele.
Apertei o amuleto nas mãos e o meu pai me abraçou mais forte. Ele viu os meus olhos com medo e finalmen­te entendeu que algo estava errado. Ele se colocou entre as duas pessoas que estavam à porta e eu.
— Miley, chame a polícia — ele disse, e eu peguei o telefone que estava em cima da mesinha.
— Ah, nós precisamos de um minuto — disse o ho­mem idoso.
Minha atenção foi atraída pelo movimento que ele fez com uma das mãos. Parecia que ele era um péssimo ator em um filme de ficção científica. O som da linha telefónica ficou mudo, assim como o do cortador de grama lá fora. Em choque, olhei para o telefone, e de­pois para o meu pai, em pé entre os dois homens e eu. Ele não se movia.
Respirei fundo para tentar gritar. O ar saiu de mim como em uma explosão e eu andei para trás quando ele avançou mais um pouco. No entanto, ele não estava vindo em minha direçao. Afas­tando a minha cadeira branca da penteadeira, ele sen­tou seu corpo diminuto de lado. Ele colocou um cotove­lo nas costas da cadeira e apoiou a testa na mão, como se estivesse cansado.
— Por que as coisas não são fáceis? — ele murmurou — Isso é uma brincadeira? — ele falou mais alto, olhando para o céu. — Você está rindo? Está dando umas boas risadas por causa disto?
— Meu pai está bem? — perguntei, tocando o om­bro dele.
Nicholas fez que sim com a cabeça, e o homem ido­so voltou a me olhar. Sorrindo como se tivesse tomado uma decisão, ele estendeu a mão. Olhei para ele, sem imitar o gesto.
— Prazer em conhecê-la — ele disse com firmeza. — Miley, certo? Todos me chamam de Ron.
Eu o encarei, e ele acabou abaixando a mão.
— Nicholas me contou sobre o que você fez — ele disse. — Posso ver?
— Ver o quê?
— A pedra — Ron disse
— Acho que não — eu disse. A expressão de alarme no rosto de Ron reafirmou a minha impressão de que ele queria tocar a pedra.
—Miley — ele disse com calma, levantando-se —, quero apenas olhar para ela.
— Você a quer para você! — exclamei, com meu co­ração pulando. — Eu só estou sólida por causa dela. Não quero morrer. Vocês mandaram mal. Não era para eu estar morta! A culpa é de vocês!
— Sim, mas você está morta — Ron disse. Minha respiração parou quando ele estendeu a mão. — Eu só quero ver.
— Não vou entregá-la! — berrei, e os olhos de Ron ficaram acesos, com medo.
— Miley, não! Não diga isso! — ele berrou, ten­tando me tocar.
— É minha! — eu gritei. Minhas costas encontraram a parede.
— Ai, Miley — ele suspirou —, você não devia ter feito isso.
Abri os meus dedos para ver a pedra. Meu queixo caiu, e eu fiquei olhando. Ela havia mudado. Quando a ti­rei do agente da morte, a pedra era simples, cinza e sem graça. Agora, ela estava completamente negra, como se fosse um buraco negro pendurado no cordão.
—Nós tínhamos a esperança de acabar com isso da me­lhor maneira antes que você agisse. Mas, agora ela é toda sua. — Seus olhos encontraram os meus com uma tristeza amarga. — Parabéns.
Era minha. Ele disse que a pedra era minha.
— Mas ela era a pedra de um agente da morte. — Nicholas disse, e eu me assustei com o tom de medo na voz dele. — Aquele cara não era um agente da morte, mas ele tinha a pedra de um agente. Ela é uma agente da morte! — Nicholas berrou. Eu não soube o que fazer quando ele tirou uma foice pequena, parecida com a de Zac, de dentro de sua ca­misa. Com um pulo, ele se colocou entre Ron e eu.
— Nicholas! — Ron suplicou, empurrando-o com força até que ele esbarrasse na porta. — Ela não é uma agente da morte, seu idiota! Ela não é nem um anjo! Ela não pode ser. Ela é humana, mesmo que esteja morta. Guarde isso antes que eu tome uma providên­cia séria!
Ron olhou para o nada.
Ela tem alguma coisa mais poderosa do que uma simples pedra, e eles vão voltar para buscá-la. Pode ter certeza.
— Zac sabe onde estou
— Ele cruzou sem a pedra, e assim ele não consegue achar você no tempo. Ele vai ter dificuldade para te encontrar novamente. Mas ele vai encontra-la, no entanto. E depois vai levar você com ele, junto com a pedra. E o que vai acon­tecer depois disso? Eles fazem coisas terríveis, sem nem pestanejar, a fim de perpetuar a es­pécie deles.
Os olhos do homem idoso pararam em mim, e ele piscou, como se tivesse percebido o que havia dito.
— Ah, mas eu posso estar errado — ele disse, sem muito sucesso. — Às vezes, eu erro.
Senti o meu pulso acelerar, e uma sensação de pânico nasceu em mim. Antes do acidente, Zac havia dito que eu era a passagem dele para um lugar melhor.
Nicholas viu que no meio do meu pavor eu estava escondendo algu­ma coisa.
— A única coisa que podemos fazer — Ron disse — é mantê-la intacta até descobrirmos como quebrar o encan­to que a pedra tem sobre você, sem quebrar a sua alma. Nicholas? — Ron disse com uma voz que me as­sustou. Nicholas também pareceu ter ficado surpreso
— O que foi senhor?
— Parabéns, você foi promovido a anjo da guarda.
— Isso não é uma promoção. É uma punição!
— Uma parte disso é culpa sua — Ron disse.
— Mas senhor! — Nicholas exclamou.
Segui os dois, sem acreditar naqui­lo. "Eu tenho um anjo da guarda?"
— Senhor, eu não consigo! — Nicholas disse, fazendo-me sentir como um fardo indesejado. — Não tem como fazer o meu trabalho e cuidar dela! Se eu me dis­tanciar muito eles vão capturá-la!
— Então ela vai acompanhar você nos seus trabalhos. — Ron disse — Ela tem que aprender a usar aquilo. É só por um ano. Miley — ele disse, despedindo-se —, fique com o pingente. Ele vai proteger você. Se tirá-lo do pescoço, as asas negras vão encontrar você, e os agentes da morte nunca estão longe delas.
— Asas negras? — perguntei.
— Vultos do mal, sombras da Criação. Eles podem sentir o seu cheiro porque você está morta, mas com a pedra eles vão achar que você é uma agente e não vão lhe incomodar.
Ele cruzou a porta de saída e se misturou à luz do Sol.

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