Fiquei
parada em pé próxima à porta de entrada com o coração batendo forte, escutando o silêncio que emanava da casa
que meu pai manteve organizada e limpa. O fato de eu não ter me sentido nem um
pouco cansada me deixou preocupada. Meu pulso estava acelerado por causa do
medo, e não por causa da corrida.
— Pai?
— Miley? Você está viva? — ele disse. — Eles falaram
que você havia morrido. Você está viva?
— Eu estou bem — choraminguei contra o
peito dele. — Perdão, pai — falei, ainda chorando. — Eu não devia ter saído
com aquele cara. Eu nunca devia ter feito isso. Me desculpa. Perdão!
— Psiu. — Ele me puxou de volta em um abraço.
— Tudo bem. Você está bem — ele disse, acariciando o meu cabelo. No entanto,
ele não sabia que, na realidade, eu estava morta.
Um barulho suave veio da porta. Meu pai
desviou o olhar por cima do meu ombro, e eu virei o rosto. Nicholas estava em
pé de forma estranha ao lado de um homem baixo que vestia uma roupa larga, como
um uniforme de luta marcial. Os seus cabelos indicavam que ele era idoso, os
cachos apertados eram grisalhos perto das têmporas.
— Olá —meu pai disse, me colocando ao seu
lado —, vocês trouxeram a minha filha para casa? Obrigado.
Nicholas havia trazido o chefe. Eu queria
ficar. "Droga, eu não quero estar morta. Não é justo!"
O homem fez uma expressão de tristeza.
— Não — ele disse —, ela conseguiu
chegar aqui sozinha. Só Deus sabe como.
— Eles não me trouxeram aqui — falei,
sentindo-me nervosa. — Eu não os conheço. Eu já vi aquele cara — adicionei —,
mas não o mais velho.
Mesmo assim, o meu pai deu um sorriso neutro,
tentando organizar as ideias.
— Vocês são do hospital? — ele perguntou. Seu
rosto ficou sério. — Quem é o responsável pela notícia de que minha filha
estava morta? Alguém vai perder a cabeça aqui.
— Palavras mais verdadeiras que essas nunca
foram ditas, senhor. – o homem idoso dise — Precisamos conversar filha.
Meu Deus. Ele queria que eu fosse com
ele.
Apertei o amuleto nas mãos e o meu pai me
abraçou mais forte. Ele viu os meus olhos com medo e finalmente entendeu que
algo estava errado. Ele se colocou entre as duas pessoas que estavam à porta e
eu.
— Miley, chame a polícia — ele disse, e eu
peguei o telefone que estava em cima da mesinha.
— Ah, nós precisamos de um minuto —
disse o homem idoso.
Minha atenção foi atraída pelo movimento que
ele fez com uma das mãos. Parecia que ele era um péssimo ator em um filme de
ficção científica. O som da linha telefónica ficou mudo, assim como o do
cortador de grama lá fora. Em choque, olhei para o telefone, e depois para o
meu pai, em pé entre os dois homens e eu. Ele não se movia.
Respirei fundo para tentar gritar. O ar saiu
de mim como em uma explosão e eu andei para trás quando ele avançou mais um
pouco. No entanto, ele não estava vindo em minha direçao. Afastando a minha
cadeira branca da penteadeira, ele sentou seu corpo diminuto de lado. Ele
colocou um cotovelo nas costas da cadeira e apoiou a testa na mão, como se
estivesse cansado.
— Por que as coisas não são fáceis? — ele
murmurou — Isso é uma brincadeira? — ele falou mais alto, olhando para o céu. —
Você está rindo? Está dando umas boas risadas por causa disto?
— Meu pai está bem? — perguntei, tocando o ombro
dele.
Nicholas fez que sim com a
cabeça, e o homem idoso voltou a me olhar. Sorrindo como se tivesse tomado uma
decisão, ele estendeu a mão. Olhei para ele, sem imitar o gesto.
— Prazer em conhecê-la — ele disse com
firmeza. — Miley, certo? Todos me chamam de Ron.
Eu o encarei, e ele acabou abaixando a mão.
— Nicholas me contou sobre o que você fez —
ele disse. — Posso ver?
— Ver o quê?
— A pedra — Ron disse
— Acho que não — eu disse. A expressão de
alarme no rosto de Ron reafirmou a minha impressão de que ele queria tocar a
pedra.
—Miley — ele disse com calma, levantando-se
—, quero apenas olhar para ela.
— Você a quer para você! — exclamei, com meu
coração pulando. — Eu só estou sólida por causa dela. Não quero morrer. Vocês
mandaram mal. Não era para eu estar morta! A culpa é de vocês!
— Sim, mas você está morta — Ron
disse. Minha respiração parou quando ele estendeu a mão. — Eu só quero ver.
— Não vou entregá-la! — berrei, e os olhos de
Ron ficaram acesos, com medo.
— Miley, não! Não diga isso! — ele berrou,
tentando me tocar.
— É minha! — eu gritei. Minhas costas
encontraram a parede.
— Ai, Miley — ele suspirou —, você não devia
ter feito isso.
Abri os meus dedos para ver a pedra. Meu
queixo caiu, e eu fiquei olhando. Ela havia mudado. Quando a tirei do agente
da morte, a pedra era simples, cinza e sem graça. Agora, ela estava
completamente negra, como se fosse um buraco negro pendurado no cordão.
—Nós tínhamos a esperança de acabar com isso
da melhor maneira antes que você agisse. Mas, agora ela é toda sua. — Seus
olhos encontraram os meus com uma tristeza amarga. — Parabéns.
Era minha. Ele disse que a pedra era minha.
— Mas ela era a pedra de um agente da morte.
— Nicholas disse, e eu me assustei com o tom de medo na voz dele. — Aquele cara
não era um agente da morte, mas ele tinha a pedra de um agente. Ela é uma
agente da morte! — Nicholas berrou. Eu não soube o que fazer quando ele tirou
uma foice pequena, parecida com a de Zac, de dentro de sua camisa. Com um
pulo, ele se colocou entre Ron e eu.
— Nicholas! — Ron suplicou, empurrando-o com
força até que ele esbarrasse na porta. — Ela não é uma agente da morte, seu
idiota! Ela não é nem um anjo! Ela não pode ser. Ela é humana, mesmo que esteja
morta. Guarde isso antes que eu tome uma providência séria!
Ron olhou para o nada.
— Ela tem
alguma coisa mais poderosa do que uma simples pedra, e eles vão voltar para
buscá-la. Pode ter certeza.
— Zac sabe onde estou
— Ele cruzou sem a pedra, e assim ele não
consegue achar você no tempo. Ele vai ter dificuldade para te encontrar
novamente. Mas ele vai
encontra-la, no entanto. E depois vai levar você com ele, junto com a pedra. E
o que vai acontecer depois disso? Eles fazem coisas terríveis, sem nem
pestanejar, a fim de perpetuar a espécie deles.
Os olhos do homem idoso pararam em mim, e ele
piscou, como se tivesse percebido o que havia dito.
— Ah, mas eu posso estar errado — ele disse,
sem muito sucesso. — Às vezes, eu erro.
Senti o meu pulso acelerar, e uma sensação de
pânico nasceu em mim. Antes do acidente, Zac havia dito que eu era a passagem
dele para um lugar melhor.
Nicholas viu que no meio do meu pavor eu estava
escondendo alguma coisa.
— A única coisa que podemos fazer — Ron disse
— é mantê-la intacta até descobrirmos como quebrar o encanto que a pedra tem
sobre você, sem quebrar a sua alma. Nicholas? — Ron disse com uma voz que me assustou.
Nicholas também pareceu ter ficado surpreso
— O que foi senhor?
— Parabéns, você foi promovido a anjo da
guarda.
— Isso não é uma promoção. É uma punição!
— Uma parte disso é culpa sua — Ron disse.
— Mas senhor! — Nicholas exclamou.
Segui os dois, sem acreditar naquilo. "Eu tenho um
anjo da guarda?"
— Senhor, eu não consigo! — Nicholas disse,
fazendo-me sentir como um fardo indesejado. — Não tem como fazer o meu trabalho
e cuidar dela! Se eu me distanciar muito eles vão capturá-la!
— Então ela vai acompanhar você nos seus
trabalhos. — Ron disse — Ela tem que aprender a usar aquilo. É só por um ano. Miley
— ele disse, despedindo-se —, fique com o pingente. Ele vai proteger você. Se
tirá-lo do pescoço, as asas negras vão encontrar você, e os agentes da morte
nunca estão longe delas.
— Asas negras? — perguntei.
— Vultos do mal, sombras da Criação. Eles
podem sentir o seu cheiro porque você está morta, mas com a pedra eles vão
achar que você é uma agente e não vão lhe incomodar.
Ele cruzou a porta de saída e se misturou à luz
do Sol.
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