quinta-feira, 21 de junho de 2012

Anjos da Morte [2/4]


Respirei fundo e descobri que estava mais fácil fa­zer este movimento. Ao perceber que meus olhos estavam fecha­dos, eu os abri e vi um borrão preto bem próximo do meu nariz. Havia um cheiro pesado, como o cheiro de plástico.
— Ela tinha 16 anos quando entrou naquele carro. A culpa é sua — disse uma voz jovem, porém bem masculina.
— Você não vai jogar a culpa disso em cima de mim — uma menina disse sua voz tão irritada e determina­da quanto a anterior. — Ela tinha 17 anos quando ele jogou a moeda. Isso foi furada sua, e não minha. Deus me livre, ela estava bem na sua frente! Como você con­seguiu errar?
De repente, percebi que o borrão preto que estava fa­zendo com que minha respiração voltasse para mim era um plástico. Minhas mãos se elevaram e minhas unhas empurraram o plástico em uma apunhalada de medo. Tirei o plástico de mim. Dois jovens estavam em pé ao lado de duas portas brancas sujas, e eles se viraram, surpresos. O rosto pálido da menina ficou vermelho, e o garoto se afastou para trás como se estivesse com vergonha de ter sido surpreendido discutindo com a menina.
— Ei! — a menina disse, jogando a trança longa e negra para trás. — Você acordou. Hmm, oi. Eu sou a Selena, e este é o Nick.
O menino abaixou o olhar e acenou com vergonha.
— Oi — ele disse —, tudo bem?
— Você estava com o Taylor — falei, meus dedos tre­mendo ao apontar para ele.
Ambos usavam uma pedra negra como pingente no pes­coço. Eram peças sem graça e até insignificantes, mas o meu olhar foi atraído por elas por que era a única coisa que eles tinham em comum.
— Onde estou? — eu perguntei — Onde está Taylor?
Eu hesitei, percebendo que eu estava em um hospital, mas... "Cara, eu estou dentro de uma droga de saco que serve para cobrir cor­pos?"
— Estou no necrotério? — questionei. — O que estou fazendo em um necrotério?
Em um movimento brusco, tirei as minhas pernas do plástico e coloquei os pés no chão.
— Alguém cometeu um erro — eu disse
Selena respirou fundo.
— Nicholas — ela disse, e ele ficou zangado.
— Isso não é culpa minha! — ele exclamou — Ela tinha 16 anos quando entrou no carro! Como é que eu ia saber que era o aniversário dela?
— Ah, é? Cara, ela tinha 17 anos quando morreu, então o problema é seu sim!
"Morta? Será que eles estão cegos?"
— Quer saber? — falei — Vocês dois podem continuar discutindo aí sobre o movimento do sol, mas eu tenho que encontrar alguém e avisar que estou bem.
Passei por eles e andei uns cinco metros, até que senti como se estivesse me desconectando do mundo. Zonza, coloquei a mão em uma mesa vazia. A sensação estra­nha veio inesperadamente. Minha mão se contraiu de forma involuntária, e eu a puxei de volta para o corpo, como se o frio do metal tivesse queimado os meus os­sos. Me senti como... uma esponja. Fina. O barulho suave da ventilação ficou abafado. Até os meus batimentos cardíacos pareciam estar mais distantes. Me virei com as mãos sobre o peito, como se estivesse tentando me fazer sentir normal novamente.
— O quê...
Do outro lado da sala, Nick elevou os ombros finos.
— Você está morta, Miley. Desculpa. Se você se afastar muito dos nossos amuletos, vai começar a per­der substância.
Ele apontou para a maca, e eu olhei.
Fiquei completamente sem fôlego. Eu ainda estava lá. Quer dizer, eu ainda estava na maca. Eu estava dei­tada sobre o colchão dentro de um saco todo amassado, sem muita expressão e pálida. O meu vestido elaborado estava todo amarrotado em volta de mim, um rastro de uma elegância ultrapassada e esquecida.
“Estou morta? Mas sinto meu coração batendo.”
— Não estou morta — eu disse, cambaleante. Nicholas ajudou a me sentar, apoiando-me contra o pé de uma mesa.
— Está sim. — Ele se agachou ao meu lado, seus olhos castanhos estavam arregalados e mostravam preocupação. Sincera. — Sinto muito mesmo. Achei que ele fosse pegar o Taylor. Eles geralmente não deixam ras­tros, como um carro daqueles. Você deve mesmo inco­modar.
— Quem são vocês? — perguntei, sentindo a tontura diminuir,
Nicholas se levantou,
— Nós, bem, somos da Manutenção Organizacio­nal. Recuperação Total de Erros.
Refleti sobre aquilo. Manutenção Organizacional, Recuperação... M.O.R.T.E.?
— Vocês são a Morte! — exclamei
— Nós não somos a Morte! — Selena disse, meio ofendida — Nós somos os anjos da morte. Os agentes da morte matam as pessoas antes que a moeda delas seja jogada, e os anjos da morte tentam salvá-las. Os agentes da morte são traidores que falam demais e não ficam acordados para ver o sol nascer, senão viram pó. Zac é um agente da morte. Nós aparecemos apenas quando eles pegam alguém fora de hora. Aconteceu um erro.
— Erro?
Selena deu um passo à frente.
—Não era para você ter morrido, entende? Um agen­te da morte tirou a sua vida antes que a sua moeda fosse jogada. Nós estamos aqui para fazer um pedido de desculpas formal e colocar você no caminho certo.
Eu precisava avisar meu pai, disser que estava bem.
**
Bati com força nas portas, passando através delas, mesmo que elas não tivessem sido completamente abertas. Eu esta­va na sala ao lado. Eu tinha passado pelas portas, por cima delas. Como se eu nem estivesse ali.
No entanto, eu estava me sentindo muito estranha novamente. Nebulosa e fina. Alargada. Nada soava di­reito, e as bordas da minha visão começaram a ficar acinzentadas.
Mesmo assim continuei andando até que esbarrei em alguma coisa grande, quente, com cheiro de seda. Dei um passo para trás, morrendo de medo ao ver que era o Zac. Ele havia me matado com uma faca que não deixou marcas, vis­to que jogar o carro monte abaixo comigo dentro não adiantou. Ele era um agente da morte. Ele era a minha morte.
— Que bom que você está de pé. É hora de ir.
— Não me toque. – Me afastei dele
— Miley! — Nicholas berrou. — Corra!
— Ela é minha, se eu quiser.
Nicholas ficou pálido.
— Você nunca volta para pegá-los. Você... — Os olhos dele se viraram para a pedra que Zac carregava no peito. — Você não é um agente da morte, é?
Zac deu um sorriso
— Não, não sou.
— Nicholas! — Selena gritou, horrorizada. — Não!
Nicholas se lançou para cima da figura es­cura vestida de seda. Em um movimento tão casual que chegava a ser assustador, Zac se virou para atingi-lo com as costas de uma das mãos. Com pernas e braços no ar, Nicholas voou para trás, batendo na parede e caindo no chão, apagado.
— Corra! — Selena berrou, me empurrando para den­tro do necrotério. — Fique no sol. Não deixe que as asas negras toquem você. Nós vamos buscar ajuda. Al­guém vai encontrar você. Saia daqui!
— Como? — exclamei. — Ele está na frente da única porta de saída.
Zac se moveu novamente, desta vez afastando Selena com as mãos. Ela se dissolveu no chão e eu fiquei sozi­nha.
— Você não tem saída — ele disse. — Fui eu quem matou você. Você é minha.
Ele esticou a mão e pegou o meu punho. Senti a adre­nalina correndo em mim, e puxei o meu braço.
— Nem no inferno — eu disse, chutando a canela dele. Ele obviamente sentiu dor, gemendo ao se curvar, mas nem por isso me largou. Ele havia colocado o rosto muito perto de mim, no entanto. Agarrando o cabelo dele, eu bati em seu nariz com o joelho. Senti a cartila­gem se movendo, e o meu estômago se revirou.
Com o coração pulando, peguei a pedra que estava no pescoço dele. Ela brilhou em minhas mãos, como se tivesse em chamas, e eu apertei meus dedos em volta dela, disposta a sofrer o que fosse preciso.
— Miley... — Nicholas chamou deitado no chão — Corra — ele sussurrou.
Com o amuleto de Zac em minhas mãos, olhei para o corredor... e corri.

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