Respirei fundo e descobri que estava mais
fácil fazer este movimento. Ao perceber que meus olhos estavam fechados, eu os abri e vi um
borrão preto bem próximo do meu nariz. Havia um cheiro pesado, como o cheiro de
plástico.
— Ela tinha 16 anos quando entrou naquele
carro. A culpa é sua — disse uma voz jovem, porém bem masculina.
— Você não vai jogar a culpa disso em
cima de mim — uma menina disse sua voz tão irritada e determinada quanto a
anterior. — Ela tinha 17 anos quando ele jogou a moeda. Isso foi furada sua, e
não minha. Deus me livre, ela estava bem na sua frente! Como você conseguiu
errar?
De repente, percebi que o borrão preto que
estava fazendo com que minha respiração voltasse para mim era um plástico.
Minhas mãos se elevaram e minhas unhas empurraram o plástico em uma apunhalada
de medo. Tirei o plástico de mim. Dois jovens estavam em pé ao lado de duas
portas brancas sujas, e eles se viraram, surpresos. O rosto pálido da menina
ficou vermelho, e o garoto se afastou para trás como se estivesse com vergonha
de ter sido surpreendido discutindo com a menina.
— Ei! — a menina disse, jogando a trança
longa e negra para trás. — Você acordou. Hmm, oi. Eu sou a Selena, e este é o
Nick.
O menino abaixou o olhar e acenou com
vergonha.
— Oi — ele disse —, tudo bem?
— Você estava com o Taylor — falei, meus
dedos tremendo ao apontar para ele.
Ambos usavam uma pedra negra como pingente no
pescoço. Eram peças sem graça e até insignificantes, mas o meu olhar foi
atraído por elas por que era a única coisa que eles tinham em comum.
— Onde estou? — eu perguntei — Onde está
Taylor?
Eu hesitei, percebendo que eu estava em um
hospital, mas... "Cara, eu estou dentro de uma droga de saco que serve
para cobrir corpos?"
— Estou no necrotério? — questionei. — O que
estou fazendo em um necrotério?
Em um movimento brusco, tirei as minhas
pernas do plástico e coloquei os pés no chão.
— Alguém cometeu um erro — eu disse
Selena respirou fundo.
— Nicholas — ela disse, e ele ficou zangado.
— Isso não é culpa minha! — ele exclamou —
Ela tinha 16 anos quando entrou no carro! Como é que eu ia saber que era o
aniversário dela?
— Ah, é? Cara, ela tinha 17 anos quando
morreu, então o problema é seu sim!
"Morta? Será que eles estão cegos?"
— Quer saber? — falei — Vocês dois podem
continuar discutindo aí sobre o movimento do sol, mas eu tenho que encontrar
alguém e avisar que estou bem.
Passei por eles e andei uns cinco metros, até
que senti como se estivesse me desconectando do mundo. Zonza, coloquei a mão em
uma mesa vazia. A sensação estranha veio inesperadamente. Minha mão se
contraiu de forma involuntária, e eu a puxei de volta para o corpo, como se o
frio do metal tivesse queimado os meus ossos. Me senti como... uma esponja.
Fina. O barulho suave da ventilação ficou abafado. Até os meus batimentos
cardíacos pareciam estar mais distantes. Me virei com as mãos sobre o peito,
como se estivesse tentando me fazer sentir normal novamente.
— O quê...
Do outro lado da sala, Nick elevou os
ombros finos.
— Você está morta, Miley. Desculpa. Se você se afastar
muito dos nossos amuletos, vai começar a perder substância.
Ele apontou para a maca, e eu olhei.
Fiquei completamente sem fôlego. Eu ainda estava lá. Quer
dizer, eu ainda estava na maca. Eu estava deitada sobre o colchão dentro de um
saco todo amassado, sem muita expressão e pálida. O meu vestido elaborado estava todo amarrotado em volta
de mim, um rastro de uma elegância ultrapassada e esquecida.
“Estou morta? Mas sinto meu coração
batendo.”
— Não estou morta — eu disse, cambaleante.
Nicholas ajudou a me sentar, apoiando-me contra o pé de uma mesa.
— Está sim. — Ele se agachou ao meu lado,
seus olhos castanhos estavam arregalados e mostravam preocupação. Sincera. —
Sinto muito mesmo. Achei que ele fosse pegar o Taylor. Eles geralmente não
deixam rastros, como um carro daqueles. Você deve mesmo incomodar.
— Quem são vocês? — perguntei, sentindo a tontura
diminuir,
Nicholas se levantou,
— Nós, bem, somos da Manutenção Organizacional.
Recuperação Total de Erros.
Refleti sobre aquilo. Manutenção
Organizacional, Recuperação... M.O.R.T.E.?
— Vocês são a Morte! — exclamei
— Nós não somos a Morte! — Selena disse,
meio ofendida — Nós somos os anjos da morte. Os agentes da morte matam as
pessoas antes que a moeda delas seja jogada, e os anjos da morte tentam
salvá-las. Os agentes da morte são traidores que falam demais e não ficam
acordados para ver o sol nascer, senão viram pó. Zac é um agente da morte. Nós
aparecemos apenas quando eles pegam alguém fora de hora. Aconteceu um erro.
— Erro?
Selena deu um passo à frente.
—Não era para você ter morrido, entende? Um
agente da morte tirou a sua vida antes que a sua moeda fosse jogada. Nós
estamos aqui para fazer um pedido de desculpas formal e colocar você no caminho
certo.
Eu precisava avisar meu pai, disser que estava bem.
**
Bati com força nas portas, passando através delas,
mesmo que elas não tivessem sido completamente abertas. Eu estava na sala ao
lado. Eu tinha passado pelas portas, por cima delas. Como se eu nem estivesse
ali.
No entanto, eu estava me sentindo muito estranha
novamente. Nebulosa e fina. Alargada. Nada soava direito, e as bordas da minha
visão começaram a ficar acinzentadas.
Mesmo assim continuei andando até que esbarrei em alguma coisa grande, quente, com cheiro de
seda. Dei um passo para trás, morrendo de medo ao ver que era o Zac. Ele havia
me matado com uma faca que não deixou marcas, visto que jogar o carro monte
abaixo comigo dentro não adiantou. Ele era um agente da morte. Ele era a minha
morte.
— Que bom que você está de pé. É hora de ir.
— Não me toque. – Me afastei dele
— Miley! — Nicholas berrou. — Corra!
— Ela é minha, se eu quiser.
Nicholas ficou pálido.
— Você nunca volta para pegá-los. Você... —
Os olhos dele se viraram para a pedra que Zac carregava no peito. — Você não é
um agente da morte, é?
Zac deu um sorriso
— Não, não sou.
— Nicholas! — Selena gritou,
horrorizada. — Não!
Nicholas se lançou para cima da figura escura
vestida de seda. Em um movimento tão casual que chegava a ser assustador, Zac
se virou para atingi-lo com as costas de uma das mãos. Com pernas e braços no
ar, Nicholas voou para trás, batendo na parede e caindo no chão, apagado.
— Corra! — Selena berrou, me empurrando para
dentro do necrotério. — Fique no sol. Não deixe que as asas negras toquem
você. Nós vamos buscar ajuda. Alguém vai encontrar você. Saia daqui!
— Como? — exclamei. — Ele está na frente da
única porta de saída.
Zac se moveu
novamente, desta vez afastando Selena com as mãos. Ela se dissolveu no chão e
eu fiquei sozinha.
— Você não tem saída — ele disse. — Fui eu
quem matou você. Você é minha.
Ele esticou a mão e pegou o meu punho. Senti a
adrenalina correndo em mim, e puxei o meu braço.
— Nem no inferno — eu disse, chutando a
canela dele. Ele obviamente sentiu dor, gemendo ao se curvar, mas nem por isso
me largou. Ele havia colocado o rosto muito perto de mim, no entanto. Agarrando
o cabelo dele, eu bati em seu nariz com o joelho. Senti a cartilagem se
movendo, e o meu estômago se revirou.
Com o coração pulando, peguei a pedra
que estava no pescoço dele. Ela brilhou em minhas mãos, como se tivesse em
chamas, e eu apertei meus dedos em volta dela, disposta a sofrer o que fosse
preciso.
— Miley... — Nicholas chamou deitado no chão
— Corra — ele sussurrou.
Com o amuleto de Zac em minhas mãos, olhei para
o corredor... e corri.
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