sábado, 7 de dezembro de 2013

Doce Sacrifício - Capítulo 27 [The Truth - Alison e Jessica]

"I just can’t take this. I swear, I told you the truth"
Musica tema: Jenny Was A Friend Of Mine [The Killers]

O último sinal bate e a Srta. Fray deixa a sala de aula sob o olhar nada apropriado de um de seus alunos. Mas a culpa não era de David por sua professora ter toda aquela “petulância” e “abundância”. Porém era sua culpa não saber disfarçar.
- Você ainda está com essa ideia de pegar a professora? – Jessica pergunta num tom baixo perto de seu ouvido para que os poucos alunos que ainda estavam ali não a escutassem e David sente um arrepio na nuca com aquele ato. Ela não devia fazer esse tipo de coisa. O garoto não a responde, só a olha sugestivamente com um sorriso malicioso nos lábios. – Eca, você está pior que o Jones!
- Nem me fale desse aí – David balança a cabeça, indignado, vendo o último aluno sair da sala. – Como ele teve coragem de comer a Sra. Marshall?
- E você quer comer a Srta. Fray!
- É diferente. Ela é gostosa, solteira e principalmente: não tem filhos da minha idade!
Nisso a garota tinha que concordar.
- Ok, não é que eu esteja tentando defender o Harry, eu só acho que a sua ideia é tão idiota quanto – mas o que há de errado com esses garotos afinal?
- Qual é Everdeen? – ele fica de frente para a garota sentada ao seu lado e enrola a ponta da gravata da mesma em seus dedos. – Está com ciúmes? – David a olha com seu típico sorriso sacana e ela ergue uma sobrancelha, tirando sua gravata das mãos do garoto e levantando-se em seguida. – Pra onde você vai?
- Embora. Ficar numa sala sozinha com você é perigoso demais.
- Tem medo de não resistir a esse corpinho?
- Mas é claro! É muito difícil me segurar para não agarrar esse monte de banha e pelanca caindo – Jessica esboça um sorriso inocente para a cara de chocado de David, que logo trata de lhe mostrar como era lindo o seu dedo do meio e a garota solta uma gargalhada antes de adentrar o corredor.

#
Jessica puxa as mangas de seu suéter caramelo até que cobrissem seus dedos e anda até o carro que a esperava em frente ao salão do N.A¹. Ela respira fundo, abre a porta e se senta no banco do passageiro. Por mais que ela odiasse aqueles reuniões e estivesse com muita raiva dos seus pais por obrigá-la a ir, ela sabia que era a errada ali, sabia que merecia o olhar de decepção que os dois lhe davam. Mas ela não podia negar que aquilo estava matando-a.
- Oi pai – ela cumprimenta o homem sentado no banco do motorista, recebendo um aceno de cabeça em troca. Seus métodos de resolver as coisas não estavam funcionando como ela achou que iriam. – Até quando você vai me tratar assim?
- Até eu entender porque você começou com isso de novo! – Erick não olhava para a filha, ele mantinha os olhos atentos na estrada. – Você sempre teve tudo o que quis, sua mãe e eu sempre te apoiamos em tudo! Eu até deixo você gastar metade do meu salário pra manter esse cabelo – Jessica precisa reprimir o impulso de revirar os olhos por essa última frase. Exagerado...
- Eu sei – ela aperta as mangas do agasalho em seus dedos, fitando sua calça jeans e rezando para que o caminho até sua casa não fosse preenchido por uma grande bronca.
- Eu só não consigo entender, não consigo. Será que você podia me explicar?
- Eu já disse. Não precisam me tratar como se eu fosse uma viciada ou algo assim. É só de vez em quando, só pra desestressar – a garota dá de ombros. Ela já havia perdido a conta de todas as vezes que ela tentou explicar isso e ninguém entendeu.
- Você só tem 17 anos, com o que pode estar estressada? – e essa era mais uma dessas vezes. Seu pai não queria uma resposta para aquela pergunta e Jessica sabia disso, então o caminho até a casa terminou assim: silencioso. Erick estaciona o carro e olha para a filha pela primeira vez.
- Eu vou voltar para o hospital agora. Sua mãe vai estar de volta em algumas horas. Se comporte.
- Sempre – ela esboça um sorrisinho só para descontrair, mas a sobrancelha arqueada de seu pai deixava claro que foi uma tentativa falha. A garota solta um suspiro pesado pelo nariz e abre a porta do carro, indo até a entrada da casa sob o olhar divertido de seu pai. Ele sabia que estava pegando pesado, mas ela era sua única filha e ele não deixaria que a garota se perdesse assim, mesmo que pra isso tivesse que reprimir a vontade de abraçá-la e disser que ficaria tudo bem para dar lugar ao comportamento frio que estava tendo.
Jessica passa pela porta da frente sabendo que teria que desistir da ideia de fazer aquela tatuagem que tanto queria por um tempo, pelo menos até o seu aniversário, qual infelizmente estava longe. Tudo o que ela podia fazer agora era tomar um banho e esperar sua mãe chegar – ter pais médicos às vezes era um saco. Marta estava fora da cidade e ter a casa só pra ela nunca foi tão tedioso. Pelo menos ela poderia tocar sua guitarra sem que ninguém a incomodasse.

#
Madison estava pirando.
Seu namorado e suas amigas estavam deixando-a sufocada com tantas perguntas e com aquela brilhando ideia de não deixá-la sozinha por um segundo sequer. A garota só podia tirar uma conclusão disso tudo: eles estavam desconfiados. Não: eles sabiam, mas queriam que ela confessasse. Coisa que ela não faria. Não mesmo! Isso só mostraria o quanto ela era fraca. Fraca o suficiente para estar chorando no meio da rua. Madison seca a lágrima solitária que escorreu de seus olhos e sobe os degraus da enorme e iluminada casa.
Só existia uma pessoa que sabia do segredo de Madison e só podia ter sido ela a contá-lo para Jeremy e as garotas. Madi aproxima-se da porta e toca a campainha. Atrás dela o sol se punha e estava realmente fazendo frio agora. Ela cruza os braços e se encolhe impaciente. Madison pensa em apertar a campainha mais uma vez, mas então a porta se abre, revelando uma garota de short de malha, blusa surrada e seu cabelo roxo preso num rabo de cavalo alto.
- Madison? – ela deita a cabeça pro lado, confusa.
- Posso entrar?
- Claro – Jessica guia a morena até a sala de estar, ainda achando essa situação toda um tanto quanto inusitada. Elas se sentam num dos sofás, uma do lado da outra e Madison dá uma rápida olhada no cômodo: os três sofás dispostos no meio da sala, a mesinha de centro com tampo de vidro, os enfeites, os quadros e percebe que sua mãe iria adorar aquele lugar, principalmente a parede de tijolinhos brancos atrás dela.
Jessica a olha em silêncio, esperando que ela começasse sua explicação do por que estava ali e notando isso Madison vai direto ao ponto. Quanto antes terminasse aquela conversa, melhor.
- Você contou pras meninas e pro Jeremy, não contou?
- Contei o quê? – confusa Jessica faz uma lista mental de coisas envolvendo Madison que ela podia saber e falar para alguém: não havia nada.
- Você disse a eles sobre... o meu pequeno problema com a comida?
A outra deixa um “ah!” de compreensão escapar e como um insight a conversa das duas no banheiro do Roundview volta a sua cabeça. A verdade é que ela se esquecera completamente daquilo, com tantos problemas a rondando, esse detalhe passou completamente despercebido. E pensando bem, ela foi meio negligente.
- Eu não contei, juro!
- Então como eles descobriram? Você era a única que sabia!
- Sozinhos talvez? Se eu, que nem converso direito com você, descobri, por que eles, que passam quase todos os dias com você, não descobririam?
- É tem razão. Talvez eu não tenha escondido muito bem. E o que eu faço agora?
Se alguém dissesse a Madison que algum dia ela estaria falando sobre seu maior segredo com Jessica, a garota não acreditaria. Mas ali estava ela: sentada no sofá dos Everdeen, pedindo um conselho para a garota de cabelo roxo e blusa personalizada dos Beatles.
- Sinceramente? Converse com eles. Eles vão te ajudar, tenho certeza.
- Ajudar? Com o quê?
- A parar! Madison, você não pode continuar fazendo essas coisas! Isso pode te fazer muito mal!
- Falou a garota que tem que frequentar toda semana as reuniões do N.A. depois que os pais encontraram droga no quarto dela!
Jessica olha para Madison como se um terceiro olho tivesse nascido em sua testa.
- Como você sabe disso?
- Todo mundo sabe, está no TheGossip. Apesar de não ser surpresa alguma. Isso já aconteceu antes, não aconteceu?
- Não precisa me lembrar que eu fui idiota o suficiente para cometer o mesmo erro duas vezes. Mas sério Madison, você precisa parar e seus amigos podem te ajudar. Pare antes que isso tome proporções maiores.
A mão de Madison vai automaticamente para a sua coxa direita. Proporções maiores. Os cortes se encaixavam nisso? Se sim, então já era tarde demais.

[...]

- Josh! – Logan exclama ao sentir uma mão em sua bunda enquanto dançava no ritmo da música, abraçado ao amigo. Joshua ri e tenta girar o outro, mas Miller o empurra, os dois caindo abraçados em cima do colchão.
- Sai de cima de mim seu veado! – Campbell empurra Logan para o lado, ainda rindo.
- Você que aperta a minha bunda e eu é que sou o veado? – os dois se sentam sobre a cama e Joshua passa um braço pelos os ombros do amigo, cantando o refrão da música enquanto olhava em seus olhos azuis.
- Baby, baby blue eyes, stay with me by my side, ‘til the morning through the night² – Logan ri e coloca as mãos nas bochechas do garoto, mas este vira a cara, soltando-se e encosta cabeça e costa na parede com o logo e um desenho dos Beatles atrás dele. – Ok, chega de boiolise, Alison está nos olhando como se quisesse nos internar.
- Expliquem-me de novo por que eu aceitei fazer esse trabalho com vocês dois? – Alison ajeita o gorro marrom na sua cabeça, sentada no sofá roxo e branco ao lado da cama de Logan, olhando-os como se eles fossem dois maníacos. Mas no fundo ela também tinha achado a cena de bromance dos dois bem engraçada.
- Porque a Jessica preferiu fazê-lo com o David e aquele nerd esquisito – Josh a responde, destacando o óbvio. – que provavelmente vai fazer o trabalho sozinho enquanto aqueles dois se comem em algum canto.
- Primeiro: não fale assim do Frank, isso é bullying e segundo: – Ali esboça um sorriso sombeteiro. – ciúme não cai bem em você.
- Isso não é ciúme, eu só estou narrando os fatos – Logan o abraça de lado, com o mesmo sorriso de Fitzgerald.
- Claro, Josh, claro – o garoto olha incrédulo para Miller.
- Mas de que lado você está afinal?
- É claro que é do seu, meu amor – Logan lhe dá um beijo na bochecha e se afasta rapidamente para se esquivar do tapa que Josh tenta lhe dar.
- Bicha – nota: Joshua não tem nada contra os homossexuais, ele só gosta de irritar o amigo o chamando assim.
- Será que vocês podiam guardar essas cenas indecentes para quando estiverem sozinhos? Tem uma moça pura e inocente no recinto agora – Logan vira a cabeça para os lados, olhando atentamente para os cantos do cômodo. – O que você está procurando?
- Essa moça pura e inocente de quem você falou.
- Filho da puta! – ela exclama depois de jogar a almofada preta em sua direção, cuja Logan pegou e colocou em seu colo antes que acertasse a sua cara.

#
Alison aperta a campainha sabendo perfeitamente que não deveria estar ali, que assim que saiu da casa de Logan devia ter ido direto para a sua.
Ela devia simplesmente dar meia volta, entrar em seu carro e ir embora. A loira estava nessa guerra mental de ir VS ficar quando a porta se abriu. Tarde demais, agora ela teria que encarar.
~*~
A garota fica na ponta dos pés em cima da cama para alcançar uma das caixas que estavam na prateleira suspensa na parede lilás. Ela a puxa pela tampa, o que faz com que a caixa caia aberta sobre a cama, espalhando ali todo o seu conteúdo. E de todos os objetos de dentro desta, o pior deles havia caído bem aos pés de Jessica, que senta sobre o cobertor preto e pega a fotografia com a mão direita, encarando-a por longos segundos. Nela, Jessica estava deitada de barriga pra cima na grama, com Joshua sobre ela, beijando a ponta de seu nariz.
Seus dedos vão automaticamente para o rosto do garoto da foto, como se acariciasse sua bochecha, mas assim que percebe a idiotice que estava fazendo, Jessica fecha os olhos com força, desejando que tivesse tido coragem de queimar todas as coisas dele quando tentou. Esbarrar com lembranças do Campbell pelo quarto não estava lhe fazendo bem.
A garota dá um pulo ao ouvir o som da campainha. Num movimento rápido, ela coloca a fotografia e os outros objetos que caíram ao seu redor dentro da caixa novamente, empurrando esta última para debaixo da cama. E enquanto descia as escadas Jess bate com a mão na testa. Ela se esquecera de pegar o que estava procurando dentro daquela caixa.
~*~
As duas continuam paradas ali, se olhando por alguns constrangedores segundos, até que Alison decide quebrar o silêncio:
- Posso falar com você? – ela passa o peso do corpo para a outra perna, sentindo-se desconfortável.
Jessica junta as sobrancelhas e por um momento Alison acha que a garota ia fechar a porta na sua cara, mas ela dá dois passos para trás e gesticula com a cabeça para a loira entrar.
Elas vão até a sala e Jessica se senta no braço de um dos sofás branco enquanto Ali fica de braços cruzados a sua frente, a alguns bons – e seguros – passos de distância.
- Fala logo o que você quer, eu estou ocupada.
- Essa atitude fria não combina com você.
- E lealdade não combina com você, não é? Eu ainda não consigo acreditar que você contou pra eles, mesmo depois de ter jurado várias vezes que não iria – Jessica falava rápido, olhando acusatoriamente para Alison, que a deixou continuar, afinal essa era a primeira vez que as duas “conversavam” desde que Jess descobrira tudo, há exatamente uma semana. – E ainda por cima mentiu pra mim! Querendo que eu acreditasse que isso tinha sido só mais um capricho daquela fofoqueira da... – Everdeen pára sua frase ali, olhando atentamente para a garota loira de braços cruzados a sua frente, que tinha as sobrancelhas arqueadas numa expressão de “até que enfim você entendeu”. Jessica solta um leve suspiro. Como ela foi tão idiota de não ter percebido isso antes? A garota joga o corpo para trás, caindo deitada de costas no sofá. – Foi ela, não foi? De alguma forma ela te convenceu a fazer isso. O que ela usou?
A loira senta na ponta do estofado, dividindo o espaço com as pernas da outra.
- Aquele vídeo. E ainda alegou que tinha outras “provas” que me incriminavam. Eu é que não ia contestar – Alison nunca esteve mais feliz por a amiga ser tão esperta e pegar as coisas rápido. – Quando ela descobrir que eu te contei, ela vai mostrar tudo aquilo pra diretora e eu vou me foder.
- Relaxa, ela não precisa saber.
- Mas ela sempre sabe. De tudo. E vai ficar meio óbvio quando ela nos ver juntas.
- E se ela não ver? Se ninguém ver? – Jessica questiona, com uma ideia se formando em sua cabeça. – Podemos fingir que eu ainda estou irritada com você. Ela não tem como saber que eu descobri tudo.
- Você acha?
- Claro – Jessica senta-se decentemente no sofá e passa o braço direito pelos ombros da loira, sorrindo amigável. – Todas aquelas aulas de interpretação têm que nos servir de alguma coisa, não é?
- Certo. E me desculpe por ter contado pros seus pais, sério.
Jess estala a língua, como se aquilo não tivesse importância.
- Tudo bem. Ser acusada de ter incendiado o teatro do colégio é muito mais grave.
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¹N.A.: sigla para Narcóticos Anônimos (só relembrando)
²A música que Josh cantou é Baby Blue Eyes da banda A Rocket To The Moon
Eu fui a única que lembrou da música What I Go To School For, do Busted, com o início do capítulo? Qualquer semelhança é pura coincidência.
Esse foi um especial Jessica e Alison (com participações de Madison (♥), Logan e Joshua, pra quem estava com saudades) e até que ficou bem grandinho.
Divulgação: Fast e Contrato de Risco, por Laarii

"And I fight my way to front of class to get the best view of her ass..."

domingo, 1 de dezembro de 2013

Doce Sacrifício - Capítulo 26 [Gone - Vanessa e Raphael]

You’ll never change what’s been and gone 
Musica tema: Stop crying your heart out  [Oasis]

Algo molhado passa pelo rosto de Vanessa, acordando-a. Ela faz uma careta e abre os olhos, encontrando um pequeno cachorro preto lambendo sua bochecha direita.
- Shadow! – Vanessa se senta e coloca o Pug no chão, que deita de barriga pra cima no tapete rosa no meio do quarto. Ela solta um suspiro cansado pela bagunça de lenços de papel e fotos picotadas espalhados pelo cômodo. Era melhor juntar tudo aquilo antes que alguém visse.
Depois de dar uma geral no quarto e nela mesma, Vanessa olha para o seu reflexo no espelho redondo da parede branca. Seus olhos estavam inchados (resultado de todo o choro do dia/noite anterior), aquele uniforme incomodava-a e a tinta preta em seus cabelos, de repente, não lhe agradava mais.
Uma batida na porta é ouvida e Vanessa grita um “pode entrar”, observando Shadow rolar feliz pelo tapete.
- Não vai descer? Vamos nos atrasar – Ashley diz num tom mais calmo que o usual, enquanto a outra media sua roupa: o uniforme azul e branco, meia 7/8 preta e uma bota de salto da mesma cor. Ela olha para o seu reflexo mais uma vez: a única coisa de diferente era a meia-calça que usava por baixo da mesma meia que a irmã. Assim ficava difícil fugir do fato que tinha uma irmã gêmea.
- Já estou indo – a morena coloca sua bolsa no ombro, o cachorro no colo e segue Ashley até a sala, passando pelo vão da porta no momento em que ouve seu celular apitar dentro da bolsa.
Precisamos conversar. Por favor.
- É ele? – Vanessa balança a cabeça em afirmação à pergunta da irmã. Ashley tira o celular de sua mão e o desliga, jogando-o de qualquer jeito no sofá.
- Eu o ignorei o dia todo ontem, talvez...
- Não Vanessa! – Ashley corta sua frase ali, ficando de frente para a irmã, com os braços cruzados, encarando-a séria. – Você é boazinha demais, por isso ele fez o que fez.
- Com a sua melhor amiga ainda por cima – ela devolve num tom seco. Não queria parecer grossa, mas aquela conversa já a estava irritando.
- Ex melhor amiga. Agora larga esse cachorro e vamos pro colégio, não quero chegar atrasada e ter que encarar a cara cheia de rugas da Sra. Hastings hoje.
Vanessa deixa o Pug preto em cima do mesmo sofá em que estava seu celular. Ela joga o aparelho dentro da bolsa e segue a irmã porta afora, xingando-se mentalmente por não ter inventado uma dor de barriga ou qualquer outra coisa para ficar em casa. Não adiantaria, de qualquer forma. Ashley perceberia que era uma desculpa para ficar embaixo das cobertas curtindo uma fossa e aí sim que ela a obrigaria a ir. Por que era tão difícil para Ashley entender que a irmã não era tão forte quanto ela?

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Ele olha mais uma vez para as portas de vidro do hospital que se abriam e mais uma vez não era a pessoa que Raphael estava esperando. O garoto encosta-se na parede gelada atrás dele, impaciente. Ela não podia fugir pra sempre.
E agora ela não iria nem se quisesse.
Vanessa passa pelas portas duplas automáticas do hospital, desejando desesperadamente uma poção de invisibilidade, ou que tivesse tido tempo de dar meia volta e se esconder dentro do prédio novamente antes que aqueles olhos a encontrassem.
Ela se empenhou tanto em fugir daquele garoto no colégio (e ligações, mensagens, avisos por intermediários...), mas pelo visto suas intenções de escapar do inevitável terminavam ali.
Os dois andam lentamente um na direção do outro, como se ambos soubessem o viria a seguir e quisessem adiar o momento o máximo que conseguissem.
- Eu posso explicar tudo – Raphael começa assim que chegam perto o suficiente.
- Eu não quero que você me explique nada, só me responda há quanto tempo – Vanessa cruza os braços sobre o peito, parte por desconforto, parte para se proteger do vento gelado que os rondava.
O garoto pisca duas vezes, não entendo o que ela quis dizer.
- Há quanto tempo o quê?
- Que você está me traindo com a Michelle – a garota devolve, como se aquilo fosse a coisa mais óbvia do mundo e ele fosse lento demais pra sacar. Aquela frase (ou seria acusação?) deixou Raphael ainda mais impaciente. Todos estavam fazendo uma ideia muito errada do que estava acontecendo ali e, infelizmente, Vanessa era perita quando o assunto era “seguir as massas”.
- É isso o que eu estou tentando te dizer: eu não estou te traindo com ela, ou com nenhuma outra garota! – ele gesticula com as mãos, elevando um pouco o tom de voz, o que faz com que algumas pessoas que passavam pelo local dirigissem seu olhar a eles. Vanessa olha para trás, para a fachada do hospital, claramente consciente de que estavam fazendo uma cena e que seria bem ruim se algum conhecido visse aquilo. Então ela puxa Raphael pelo braço para o ponto mais distante do fluxo de pessoas, parando ao lado do chafariz recém-construído.
- Então por que você a beijou?
- Eu... – “não sei”. Ele já havia se feito essa pergunta, mas nunca chegou a conclusão alguma. Por que ele fizera aquilo afinal?
Ele talvez não soubesse a resposta, mas Vanessa tinha uma leve noção:
- Você pode não estar me traindo fisicamente, mas aqui – ela aponta o dedo indicar na testa do garoto. – você está. E isso não é justo com nenhum de nós.
Raphael meneia a cabeça freneticamente em negação. Ele não pensava em Michelle. Não tanto assim.
- Mas foi só um beijo!
- Dois, Raphael, que eu saiba!
- Não tiveram outros, eu juro!
- Um, dois, vinte. Não importa! Isso não muda o fato de que você a beijou. E se você a beijou é porque você gosta dela. E se você gosta dela, deveria estar com ela e não comigo.
- Vanessa... – o que ela queria dizer com isso? Mais uma vez ele foi lento o suficiente para não perceber o óbvio:
- Acabou Raphael – simples, rápido e direto assim. O garoto precisou de alguns segundos para processar a informação e quando o fez pensou em contestar, mas já era tarde demais: Vanessa já estava longe. E ele ficou parado ali, observando-a descer a rua em passos apresados, sem olhar para trás uma única vez.
A garota permite que uma lágrima caia quando vira a esquina, o que foi uma grande erro, pois outras começam a escorrer por seu rosto sem parar e ela se vê obrigada a sentar num dos bancos de madeira dispostos em frente ao restaurante ainda fechado pelo qual passava, secando-as da forma mais discreta que conseguia, antes que virassem soluços incontroláveis.

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Bruce balançava o rabo preto e branco alegremente, deitado no tapete vermelho. Porém, ao contrário do cachorro, seu dono parecia com raiva e tentava extravasá-la no saco de pancadas pendurado num canto de seu quarto.
Raphael estava consciente de seus dedos ardendo por dentro das luvas, mas ele não se importava, pelo contrário: quanto mais suas mãos reclamavam, mais socos ele distribuía. Ele só queria que fosse possível poder nocautear a si mesmo.
- A cabeça de quem você está imaginando aí? – seu pai, Jensen, encosta-se no batente da porta, observando o filho descontar toda a sua raiva no objeto vermelho, que ia e voltava contra Raphael, que não o permitia parar.
- A minha.
- E por que tanta raiva de si mesmo? – o mais velho agora tinha os braços cruzados sobre o peito e o cenho franzido, pronto para ouvir sobre a mais nova encrenca em que o garoto se metera.
- Porque eu sou um idiota – ele dá um soco ainda mais forte no saco de pancadas. – Um imbecil – mais um soco. – Um filho da puta egoísta – e outro soco que faz suas mãos arderem ainda mais.
- E se continuar com isso, você vai ser um idiota, imbecil e filho da puta sem dedos – Jensen segura o objeto e faz um gesto para o garoto parar. – Uísque também ajuda. Só não deixe sua mãe saber que eu estou te incentivando a beber.
Raphael tira as luvas, jogando-as de qualquer jeito no chão e, como era de se esperar, seus dedos estavam sangrando.
Bruce deita-se preguiçosamente entre a porta e o corredor, tapando a passagem com seu corpo. Jensen olha para o Border Collie com uma expressão séria, porém o divertimento estava explícito em seus olhos.
- Esse cachorro está com cara de quem aprontou. Onde está o Simon? – ele pergunta ao filho, que revira os olhos, passando por cima do cão, já que este não parecia que iria sair dali tão cedo. Raphael não responde a pergunta, seu pai sempre insinuava que Bruce iria engolir o pobre gato a qualquer momento, o rapaz por sua vez achava que era bem ao contrário: Simon era um siamês com tendências homicidas e Raphael ainda tinha a cicatriz na barriga para provar isso.
Ele segue o pai em silêncio até a sala de estar, onde se acomoda na poltrona marrom em frente ao bar, de onde Jensen serve dois copos do seu uísque preferido e entrega um deles ao filho logo em seguida.
- O que aconteceu?
- Vanessa e eu terminamos – ele responde entre um gole e outro, sem dirigir o olhar para o homem sentado no sofá ao seu lado.
- Por quê?
Contar ou não contar?
- Porque eu beijei a Michelle – o estrago já estava feito mesmo, pra que esconder?
- Michelle... Blackwell? – o garoto afirma com a cabeça, olhando para o copo agora vazio em sua mão. Puta que pariu. Jensen olha para frente, com o cenho franzido, tentando digerir aquela informação. – Você ficou com uma Blackwell mesmo depois de tudo o que aconteceu com a mãe delas? – por falta de argumentos, o rapaz só confirma com a cabeça mais uma vez e de novo tudo o que se passava na mente do Sr. Duncan era: puta que pariu. Se Mario descobre que a filha se envolveu com o garoto responsável pela morte de sua esposa, o próximo a parar num caixão seria Raphael.